domingo, 20 de maio de 2012

Lady Gaga: ninfa pós-feminista



Marcia Tiburi

Lady Gaga certamente veio para nos lograr. Mas, como disse Walter Benjamin sobre livros (e também putas), muitas vezes a mercadoria vale muito mais do que o dinheirinho que pagamos por ela.
O paradoxal desejo das massas
Antes de mais nada, é preciso ver que Lady Gaga, a despeito da qualidade boa ou má de si mesma e do que ela produz, vem a nós com números impressionantes.
No entanto o objetivo deste pequeno texto é buscar de maneira simples, analogia dos vídeos mais famosos de Gaga. Mas antes é necessário situar-se em dois pontos que regem este trabalho.
  •  Idolo pop: Entenda-se por ídolo pop um indivíduo que encanta as massas com a habilidade artística de que é capaz sendo seu autor ou o mero representante de uma estética inventada por publicitários e estrategistas de produtos culturais. A Indústria Cultural depende desse mecanismo, por meio do qual oferece ao indivíduo a oportunidade de se perder com a sensação de que está ganhando. O ídolo pop é a humana mercadoria que permite o gozo pelo logro que o espectador logrado aplica a si mesmo.
  •  E temos “desejo de ser massa”. Trata-se da ânsia de adesão ao todo que se disfarça no desejo de saber o que todo mundo sabe, ver o que todo mundo vê. Complicado falar de desejo das massas, quando a “massa” remonta à possibilidade de se deixar moldar pela ação exterior justamente por ausência de desejo. Podemos, no entanto, entendê-lo usando uma imagem gasta como a da ovelha a participar do rebanho.
Uma estética pop para o pós-feminismo?
            Lady Gaga tange em seus vídeos mais famosos questões que estão presentes na obra de artistas contemporâneas que podemos chamar de vanguardistas por falta de expressão melhor, tais como Cindy Sherman, Daniela Edburg e Chantal Michel. No Brasil, Karine Alexandrino, Paola Rettore ou o pernambucano Bruno Vilella.
            O tema da mulher morta torna-se quase um lugar-comum na arte contemporânea, como foi no século 19. Naquele tempo, ele representava o impulso próprio do romantismo que via na mulher falecida e inválida um ideal agora retomado de modo irônico por diversas artistas contemporâneas. Lady Gaga vai, no entanto, muito além dessas artistas em termos de coragem feminista. Enquanto elas zombam das mulheres estereotipadas que morrem como Ofélias por um homem, Lady Gaga, de modo mais surpreendente e corajoso do que importantes artistas cultas, dá um passo adiante.
            No vídeo de “Paparazzi” fica exposto o amor-ódio que um homem nutre por uma mulher, a invalidez à qual ela é temporariamente condenada por sua violência e, por fim, uma vingança inesperada com o assassinato desse mesmo homem. “Incitação à violência”, pensarão as mentes mais simples; “feminismo como ódio aos homens”, dirá a irreflexão sexista acomodada, quando na verdade se trata de uma irônica inversão no cerne mesmo do jogo simbólico que separa mulheres e homens. Se em “Paparazzi” o deboche beira o perverso autorizado psicanaliticamente (a mulher sai da posição deprimida ou melancólica e aprende a gozar com seu algoz, que ela transforma em vítima), em “Bad Romance”, “o vídeo mais visto de todos os tempos”, mulheres de branco – como noivas dançantes – surgem de dentro de esquifes futuristas para curar uma louca que chora querendo ter um “mau romance” com um homem. Um contraponto é criado no vídeo entre a imagem do rosto da própria Gaga levissimamente maquiado, demarcando o caráter angelical de sua personagem, em contraposição ao caráter doentio da personagem da mesma Gaga de cabelos arrepiados e olhos esbugalhados. Entre eles a bailarina sensual junto de suas companheiras faz o elogio do corpo que é obrigado a se erotizar diante de um grupo de homens.
            A ironia é o elogio do amor-paixão, do amor-doença e morte ao qual foi reduzido o amor romântico pela estética pop da ninfa pós-feminista. O feminismo só tem a agradecer.
            Em “Telephone”, a estética eleita é a da lésbica e da pin-up. Ambas criminosas. A primeira por ser uma forma de vida feminina que dispensa os homens, a segunda por ameaçá-los com uma estética da captura (a mulher-imagem-de-papel, a mulher “cromo”, a mulher-desenho-animado que configura o conceito do “broto”, do “pitéu”).       No mesmo vídeo o personagem de Gaga compartilha com Beyoncé uma cumplicidade incomum entre mulheres.
            Esse sinal é dado no meio do vídeo, quando Beyoncé vai resgatar Gaga na prisão e ambas mordem um pedaço de pão, que logo é lançado fora como algo desprezível. A comida mostra-se aí como o objeto do crime. O vídeo é mais que um elogio ao assassinato do mau romance, ou da vingança contra o evidente amor bandido de quem a personagem de Beyoncé quer se vingar. Trata-se de uma profanação da comida pelo veneno que nela é depositado. O amor bandido é morto pela comida, uma arma simbólica muito poderosa associada à imagem da mulher-mãe, da mulher-doação, dedicada a alimentar seu homem na antipolítica ordem doméstica.
            Mas o maior crime de Gaga, aquilo que fará com que tantos a odeiem, não será, no entanto, o feminismo sem-vergonha que ela pratica como uma brincadeira em que o crime é justamente o que compensa? E, como ídolo pop, não poderá soar aos mais conservadores como um modo de rebelar as massas de mulheres subjugadas pela perversa autorização ao gozo, doa a quem doer?
 
[Todas as informações contidas no texto, é atribuiada a revista cult; fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/05/o-crime-de-lady-gaga/]

T1: Isto não é crítica a quem houve e gosta das canções de Lady Gaga.
T2: Isto é filosofia!
T3: Espero que o coronelismo intelectual, apesar de ir de encontro com a servidão intelectual, não deixe você, caro leitor, preso em grilhões fatídicos [Fatidco: adj. Que revela as decisões ou imposições do destino: dia fatídico. Sinistro, trágico, profético..]

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