Lady Gaga certamente veio
para nos lograr. Mas, como disse Walter Benjamin sobre livros (e também putas),
muitas vezes a mercadoria vale muito mais do que o dinheirinho que pagamos por
ela.
O
paradoxal desejo das massas
Antes de mais nada, é preciso ver que Lady Gaga, a despeito da qualidade boa ou má de si mesma e do que ela produz, vem a nós com números impressionantes.
Antes de mais nada, é preciso ver que Lady Gaga, a despeito da qualidade boa ou má de si mesma e do que ela produz, vem a nós com números impressionantes.
No entanto o objetivo deste
pequeno texto é buscar de maneira simples, analogia dos vídeos mais famosos de
Gaga. Mas antes é necessário situar-se em dois pontos que regem este trabalho.
- Idolo pop: Entenda-se por ídolo pop um indivíduo que encanta as massas com a habilidade artística de que é capaz sendo seu autor ou o mero representante de uma estética inventada por publicitários e estrategistas de produtos culturais. A Indústria Cultural depende desse mecanismo, por meio do qual oferece ao indivíduo a oportunidade de se perder com a sensação de que está ganhando. O ídolo pop é a humana mercadoria que permite o gozo pelo logro que o espectador logrado aplica a si mesmo.
- E temos “desejo de ser massa”. Trata-se da ânsia de adesão ao todo que se disfarça no desejo de saber o que todo mundo sabe, ver o que todo mundo vê. Complicado falar de desejo das massas, quando a “massa” remonta à possibilidade de se deixar moldar pela ação exterior justamente por ausência de desejo. Podemos, no entanto, entendê-lo usando uma imagem gasta como a da ovelha a participar do rebanho.
Uma estética pop para o
pós-feminismo?
Lady Gaga tange em seus vídeos mais
famosos questões que estão presentes na obra de artistas contemporâneas que
podemos chamar de vanguardistas por falta de expressão melhor, tais como Cindy
Sherman, Daniela Edburg e Chantal Michel. No Brasil, Karine Alexandrino, Paola
Rettore ou o pernambucano Bruno Vilella.
O tema da mulher morta torna-se
quase um lugar-comum na arte contemporânea, como foi no século 19. Naquele
tempo, ele representava o impulso próprio do romantismo que via na mulher
falecida e inválida um ideal agora retomado de modo irônico por diversas
artistas contemporâneas. Lady Gaga vai, no entanto, muito além dessas artistas
em termos de coragem feminista. Enquanto elas zombam das mulheres
estereotipadas que morrem como Ofélias por um homem, Lady Gaga, de modo mais
surpreendente e corajoso do que importantes artistas cultas, dá um passo
adiante.
No vídeo de “Paparazzi” fica exposto
o amor-ódio que um homem nutre por uma mulher, a invalidez à qual ela é
temporariamente condenada por sua violência e, por fim, uma vingança inesperada
com o assassinato desse mesmo homem. “Incitação à violência”, pensarão as
mentes mais simples; “feminismo como ódio aos homens”, dirá a irreflexão
sexista acomodada, quando na verdade se trata de uma irônica inversão no cerne mesmo
do jogo simbólico que separa mulheres e homens. Se em “Paparazzi” o deboche
beira o perverso autorizado psicanaliticamente (a mulher sai da posição
deprimida ou melancólica e aprende a gozar com seu algoz, que ela transforma em
vítima), em “Bad Romance”, “o vídeo mais visto de todos os tempos”, mulheres de
branco – como noivas dançantes – surgem de dentro de esquifes futuristas para
curar uma louca que chora querendo ter um “mau romance” com um homem. Um
contraponto é criado no vídeo entre a imagem do rosto da própria Gaga
levissimamente maquiado, demarcando o caráter angelical de sua personagem, em
contraposição ao caráter doentio da personagem da mesma Gaga de cabelos
arrepiados e olhos esbugalhados. Entre eles a bailarina sensual junto de suas
companheiras faz o elogio do corpo que é obrigado a se erotizar diante de um
grupo de homens.
A ironia é o elogio do amor-paixão,
do amor-doença e morte ao qual foi reduzido o amor romântico pela estética pop
da ninfa pós-feminista. O feminismo só tem a agradecer.
Em “Telephone”, a estética eleita é
a da lésbica e da pin-up. Ambas criminosas. A primeira por ser uma forma de
vida feminina que dispensa os homens, a segunda por ameaçá-los com uma estética
da captura (a mulher-imagem-de-papel, a mulher “cromo”, a mulher-desenho-animado
que configura o conceito do “broto”, do “pitéu”). No mesmo vídeo o personagem de Gaga compartilha com Beyoncé uma
cumplicidade incomum entre mulheres.
Esse sinal é dado no meio do vídeo,
quando Beyoncé vai resgatar Gaga na prisão e ambas mordem um pedaço de pão, que
logo é lançado fora como algo desprezível. A comida mostra-se aí como o objeto
do crime. O vídeo é mais que um elogio ao assassinato do mau romance, ou da
vingança contra o evidente amor bandido de quem a personagem de Beyoncé quer se
vingar. Trata-se de uma profanação da comida pelo veneno que nela é depositado.
O amor bandido é morto pela comida, uma arma simbólica muito poderosa associada
à imagem da mulher-mãe, da mulher-doação, dedicada a alimentar seu homem na antipolítica
ordem doméstica.
Mas o maior crime de Gaga, aquilo
que fará com que tantos a odeiem, não será, no entanto, o feminismo
sem-vergonha que ela pratica como uma brincadeira em que o crime é justamente o
que compensa? E, como ídolo pop, não poderá soar aos mais conservadores como um
modo de rebelar as massas de mulheres subjugadas pela perversa autorização ao
gozo, doa a quem doer?
[Todas as informações contidas no texto, é atribuiada a revista cult; fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/05/o-crime-de-lady-gaga/]
T1: Isto não é crítica a quem houve e gosta das canções de Lady Gaga.
T2: Isto é filosofia!
T3: Espero que o coronelismo intelectual, apesar de ir de encontro com a servidão intelectual, não deixe você, caro leitor, preso em grilhões fatídicos [Fatidco: adj. Que revela as decisões ou imposições do destino: dia fatídico. Sinistro, trágico, profético..]
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