sábado, 19 de maio de 2012

1968: quando o mundo amava a revolução Imprimir E-mail
O P I N I Ã O



* Reginaldo Benedito Dias
 
Em 1968, os Rolling Stones cantavam que ouviam, vindo de todos os lugares, o som de pés em marcha, pois era tempo de lutar. Por seu turno, os Beatles cantavam: "você me diz que quer uma revolução? Bem, você sabe, todos nós queremos mudar o mundo". No Brasil, Geraldo Vandré exortava: "vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer". Não por acaso, o ano de 1968 é considerado o mais emblemático da década de 1960, a época em que se "amava tanto a revolução". Nos mais diferentes países do mundo, o período foi marcado por movimentos de contestação, de rebeldia e por sonhos revolucionários. Entretanto, cabe perguntar: qual revolução?
O mais famoso movimento daquele ano localizou-se na França, de onde vem o mito de "maio de 1968". O movimento francês, protagonizado pelos estudantes, atingiu os sindicatos de trabalhadores e provocou uma greve geral de grande impacto. Não era, no entanto, um movimento revolucionário clássico, dotado de uma estratégia de conquista do poder. A dimensão mais emblemática do movimento era a recusa da alienação promovida pela sociedade capitalista avançada, reproduzida pelo sistema universitário. Segundo a professora Olgária Matos, o movimento "criticou a sociedade do espetáculo, a ética do consumo, o urbanismo da alienação em nome da lógica do mercado, da indústria, da ciência e da técnica despoetizadoras".

A dimensão mais emblemática do movimento era a recusa da alienação

Nos EUA, a década se iniciou com a ascensão daquele que talvez tenha sido o movimento mais importante do período em todo mundo: o movimento dos negros pelos direitos civis. Em 1968, aliás, foi assassinado o reverendo Luther King, ícone daquelas lutas. A nova esquerda estadunidense também denunciava a desumanização promovida pela sociedade de consumo. No Manifesto de Port Harum, lê-se: "Opomo-nos à despersonalização que reduz os seres humanos à condição de coisa". Esse sentimento de recusa da sociedade de consumo ainda podia ser visto no chamado movimento de "contracultura", que não era um movimento político, não tinha programa nem estratégias, mas envolvia uma série de sensibilidades avessas à coisificação do homem no mundo das mercadorias. Na Tcheco-eslováquia, país que então pertencia à área de influência da antiga União Soviética, desenvolveu-se um movimento reformista conhecido como "socialismo de face humana", que antecipava, fora da URSS, aspectos do que as políticas da glasnost e da perestroika viriam a introduzir duas décadas depois, ou seja, flexibilização do dirigismo estatal na economia e liberdade de expressão.
No Brasil, os movimentos de 1968 lutaram contra a ditadura militar instituída em abril de 1964, que derrotou os movimentos democráticos por reformas que vicejam no início da década e instalou um regime de exceção que foi regra por cerca de vinte anos. De certa forma, o ano de 1968 começou com o assassinato do estudante Edson Luis, promovido pelas forças repressivas, e terminou com a edição do Ato Institucional nº 5. Nesse intervalo, houve ascensão de lutas de massas, como as passeatas estudantis e as greves operárias de Osasco e Contagem. Foi um ano de grande inventividade, com expressões culturais densas, como o movimento Tropicália. Também havia a articulação de uma esquerda revolucionária, que aspirava a desencadear a luta armada contra a ditadura militar.
Em Maringá, aliás, tivemos esses processos em miniatura. Nas faculdades que precederam a UEM, houve estudantes que aderiram aos grupos revolucionários. Em outubro de 1968, houve um ensaio de greve geral de trabalhadores, promovido pelo agrupamento Ação Popular, que mobilizou as atenções da cidade. Ainda em outubro, estudantes secundaristas realizaram grande manifestação política, em agenda do governador Paulo Pimentel.
Tanto quanto nas canções citadas no início, as manifestações daquele período, como se apresentavam nos quatro cantos do mundo, eram heterogêneas e traduziam, com diferença de sentido, a palavra "revolução". Na sintonia da contracultura, os Beatles cantavam a liberação das mentes e dos corações. Vandré desdenhava dos movimentos que empunhavam flores contra canhões.
O certo é que grassava um sentimento de inconformismo com os modelos dominantes de sociedade e suas formas de opressão e alienação. Em alguns lugares, recusava-se a sociedade de consumo; em outros, o socialismo burocrático; no Brasil, combatia-se a ditadura militar.
Sem saudosismo, estudar aquela época é muito estimulante. Além da importância dos movimentos em si mesmos, pode-se captar aquela centelha de inconformismo e de esperança para refletir sobre as lutas e os sonhos de nosso tempo.

* Doutor em História Política, professor do Departamento de História 
Fonte: http://www.informativo.uem.br/novo/index.php?option=com_content&view=article&id=1636%3A1968-quando-o-mundo-amava-a-revolu&catid=91%3Ainformativo-824&Itemid=39

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